Musealização da Central Hidroelétrica do Caldeirão – Torres Novas //
Recolha de memórias e testemunhos
Continuamos a apresentar testemunhos e memórias relevantes para a produção de conteúdos museológicos da Central Hidroelétrica do Caldeirão, apresentamos o testemunho do Sr. José Ribeiro Sineiro que acompanhou o processo de defesa do património industrial da Central:
“Das primeiras memórias que tenho da Central foi ali pelos anos 1940 e 1950, era eu miúdo e dos operários estarem aqui a trabalhar, o meu pai tinha arranjado um trabalho e nós andávamos por ali e ficou-me logo na memória... de andarmos por ali na brincadeira e já haver muita gente por lá a trabalhar, o barulho das máquinas e do motor que quando se punha a trabalhar tudo estremecia. Havia histórias de que só um ou dois operários conseguia fazer trabalhar o motor. Não sei bem, mas até ao 25 de Abril já trabalhavam na Central bastantes operários. Deviam ser mais de 100 porque já faziam a distribuição para as aldeias. O responsável nessa altura era o José Alves. De electricistas também esteve um que se queimou nos transformadores. Mas o José Alves é que acabou por ser o distribuidor das linhas e montagem desde as fases iniciais. Nessa altura já havia muitos eletricistas. Funcionavam por piquetes. O patrão era o José Maria Tavares que teve muita responsabilidade no início da instalação da iluminação pública, porque o quadro elétrico de comando da Central tinha que calibrar a sair 220, e na distribuição tinha de sair a mais de 220, para a rede, porque há perda durante o transporte. O transporte tem de incluir linha de cobre, e se se diminuir a grossura, perde a tensão.
Em termos de organização dos trabalhadores, nesta época a consciência de classe ainda não tinha praticamente peso nenhum. A consciência da maior parte dos trabalhadores da Central Elétrica era baixa antes do 25 de abril. Muitas vezes, o patrão dava por fora além do ordenado, e isso faz calar. Quando veio o 25 de Abril tudo mudou em termos de ordenados, regalias, direitos e da consciência do valor do trabalho e depois, por aqui passaram uma série de trabalhadores já mais conscientes. Os trabalhadores tinham um sindicato, ao qual eu também pertenci, mas não se sabia como fazer para aderir porque era necessário passar uma carta. A mim quem ma passou foi o Engenheiro Clara. Foi o Nuno Garcia que entrou em contacto. Depois eu estive fora de Torres Novas muito tempo. Fui para Lisboa. Fui preso. E só regressei com residência fixa em Torres Novas já nos anos 1970.
Na Central, já no tempo da integração na EDP, todos os equipamentos e máquinas, quadro de comando e distribuição, todos os materiais que pertenciam ao espólio industrial da Central, a seguir ao encerramento (1984-1986), ficaram em estado impecável de limpeza e funcionamento pelos operários que deles cuidaram. Uma vez, foram-me chamar para me avisar que tinham desaparecido peças e equipamentos que tinham sido roubados e vandalizados na central. A partir daí constituiu-se uma associação e em reuniões com a EDP e a Câmara de Torres Novas fez-se um protocolo para se fazer um museu da eletricidade na Central do Almonda para conservar a memória industrial e todo esse património, importantíssimo para Torres Novas.”
José Ribeiro Sineiro
Associação de Defesa do Património de Torres Novas
Torres Novas, 85 anos
