Autores torrejanos VII – Maria Elisa Nery de Oliveira

Em 1954, Maria Elisa Nery de Oliveira publicava «A quinta das amendoeiras», com o subtítulo «Para os nossos filhos». O livro, com objetivos didático-pedagógicos, descreve a vida de animais como as aranhas ou o bicho-da-seda, etc. Esta autora, que publicou duas obras de literatura infantil, nasceu em Torres Novas, em 18 de abril de 1910 e faleceu em Lisboa, onde residia, em 27 de fevereiro de 1997.

Os bichos-da-seda

Fernando, curioso como todas as crianças, sentou-se imediatamente, interessadíssimo em ouvir a história daquelas lagartas que faziam seda.

A avó começou assim:

  • As folhas da amoreira servem para alimentar umas lagartas a que vulgo chama bichos da seda. Estes fabricam uma seda finíssima e de grande valor.

Como me sobrava tempo das minhas ocupações diárias, teu avô trouxe-me um dia – quando as amoreiras que ele dispusera em forma de rua, a atravessar a horta, já forneciam folhas em abundância – uma caixa com sementes de bichos de seda para eu cuidar.

  • Sementes de bichos de seda? Pois a avó não me disse que eram bichos? Então os bichos dão sementes?!
  • Não, meu filho; mas é assim que vulgarmente nomeiam os seus ovos. O nome científico é círios.

Espalhei então essas sementes num tabuleiro muito limpo, onde, passado algum tempo, começaram a arrastar-se pequeninas lagartas. Ora elas precisavam de comer e o seu alimento era folhas de amoreira. Trouxe-lhes algumas das mais tenras, as que convém dar enquanto são pequeninas, e não fazes ideia da voracidade daqueles animaizinhos.

Todos os dias iam aparecendo novas lagartas, até que nasceram as últimas. As folhas velhas eram retiradas quotidianamente e substituídas por outras frescas. Se visses como elas passavam de umas para as outras, ràpidamente, até ficavas admirado!

- A avòzinha devia ter muito trabalho!

- Sim, bastante. As lagartas iam crescendo e, passados poucos dias, deu-se a primeira muda. Imóveis, de cabeça inchada, nada comiam. Ao fim de vinte e quatro horas, porém, deixavam a camisa agarrada às folhas onde haviam tido o cuidado de a fixar com alguns fios de seda para poderem libertar-se dela, pois já lhes ficava pequena. Era a primeira muda. A esta mais algumas se seguiriam até o animal chegar ao estado adulto. Não calculas a voracidade com que, depois da primeira muda, se alimentavam! A cada transformação ficavam mais brancas e maiores. Por fim, começavam a deixar cair da boca um fiozinho de baba amarela muito fina, que, em contacto com o ar, solidificava ràpidamente.

  • Que fiozinhos eram esses, e para que serviam?
  • Eram os fios da seda. As lagartas deixavam, então, de se alimentar e começavam de cabeça no ar, como se procurassem um apoio, qualquer coisa onde prender os fios da baba. Nessa altura, o teu avô formou, nuns tabuleiros, uma espécie de cabanas feitas com raminhos de carqueja por onde os bichos subiam para formar os casulos. Quando chegavam a essa fase, deixavam de comer por completo. As lagartas encerravam-se nos casulos que, pouco a pouco, construíam e onde nós as víamos trabalhar à transparência da seda durante algum tempo. Por fim, ficavam reclusas na morada construída, até que se imobilizavam totalmente. Os bichos da seda passavam à fase de crisálidas e, quem abrisse um casulo, encontraria dentro um pequenino animal de cor castanha, em que se adivinhavam já as formas da futura borboleta. Os tabuleiros, assim enfeitados, ficavam tão lindos que nem fazes ideia.

Era, então, altura de agir. A colheita dos casulos devia fazer-se ao décimo segundo dia a contar do primeiro da subida. Escolhiam-se os mais bem formados, que se encontravam nos pontos mais altos, para que os futuros bichos da seda fossem os melhores e destinavam-se estes à reprodução. Os outros eram metidos no forno do pão a uma temperatura conveniente, que eu calculava, introduzindo dentro do forno um papel que não devia arder. Passados alguns minutos – os que pareciam suficientes – retirava-os com as larvas mortas. Este trabalho tinha de ser feito sem demora porque, de contrário, as crisálidas sairiam, e, rompendo o casulo, inutilisariam a seda.

  • Pobres bichinhos, como deviam sofrer!...
  • Sim, meu filho, mas não podíamos proceder de outro modo se não quiséssemos perder toda a seda.

Quando chegávamos a esta altura, só havia dois caminhos a seguir: - Um, vender os casulos às fábricas; outro, desfazê-los nós, transformando-os em meadas. Claro que eu adoptava sempre o processo mais simples – que era o de vender a seda.

Só me falta agora falar-te da forma como procedia com os casulos destinados à reprodução.

Para romper o casulo, as borboletas amolecem-no, prèviamente, com um líquido por elas fabricado para descolar os fios e desviam-nos depois com as patinhas, sem os quebrar, para atingirem a liberdade.

  • Avòzinha, mas se elas afastavam os fios sem os partir, quando saíam, por que razão se estragavam esses casulos?!
  • Porque, meu filho, o líquido que elas empregam para amolecer a seda a altera, prejudicando-a.
  • Ó avó, como elas devem ficar contentes quando se apanham livres!
  • Talvez! Mas essa liberdade é relativa, porque, poucos dias têm de vida – esclareceu a avó.
  • Pobrezinhas! Tanto tempo presas para, afinal, tão pouco viverem!
  • É verdade. Estas borboletas, quando nascem, não mais se alimentam e, por esse motivo, a sua vida é tão efémera.
  • Não admira! Comeram tudo por atacado enquanto eram lagartas - disse Fernando, a rir.

A avó continuou:

  • As borboletas acasalam-se e, passados dias, põem os ovos, limitando-se nessa altura a nossa tarefa a guardá-los.
  • Tudo isso é muito interessante, pois não é, avòzinha?! Como é possível que umas lagartas tão pequenas produzam matéria de tanto valor?!
  • É, na realidade, maravilhoso, meu filho. E o Homem, com a sua inteligência, cedo se apercebeu da riqueza que os bichos da seda representavam. Na China e no Japão dedicam-se, desde tempos remotos, à cultura dos bichos da seda, em grande escala, sendo de lá que vinham, nos tempos das nossas descobertas, os tecidos mais variados e mais ricos.

A quinta das amendoeiras

Referências:

BICHO, Joaquim Rodrigues, «Colectânea de textos de autores torrejanos (séculos XV-XX)» [introdução e notas de Margarida Moleiro]. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2006, pp. 489-494

https://frenesilivros.blogspot.com/2020/12/a-quinta-das-amendoeiras.html

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