Autores torrejanos VI – Maria Lúcia Namorado

Maria Lúcia Vassalo Namorado foi professora, escritora e jornalista, prima de Maria Lamas e de Alice Vieira, mãe do arquiteto Luís Vassalo Rosa. Nasceu em Torres Novas em 1 de junho de 1909, mas estudou e viveu em Lisboa. Teve um papel relevante na construção em Torres Novas do jardim-escola João de Deus. Fundou o editorial «Os nossos filhos», bem como a revista com o mesmo nome (publicada de 1942 a 1958). Enquanto pedagoga, trabalhou na fundação Sain, dirigindo o Centro de Reabilitação de Cegos. Entre as suas obras contam-se «A história do pintainho amarelo» (1966), «O meu livrinho de quadras», «O meu livrinho de provérbios», «O meu livrinho de adivinhas» (todos de 1971), «Aventuras do Janoca e do Janeca», do mesmo ano, e outros. Faleceu em 2000, com 90 anos de idade.

 A gruta encantada

 Janoca e Janeca avançaram cautelosamente, apertando com uma das mãos a fisga e as pedras dentro do bolso, e com a outra o cajado.

Entraram numa espécie de salinha redonda, com o chão e as paredes cobertas de musgo; o tecto, como se fossem traves, via-se grande quantidade de raízes grossas que se cruzavam e torcíam em todas as direcções.

Atravessando a salinha, os dois exploradores descobriram uma passagem por onde podiam caminhar lado a lado, muito unidos. Mas estacaram, não se aventurando a ir mais longe.

- Ó Janoca, tu tens a certeza de que isto não é uma caverna de ladrões?

- Querem ver que estás com medo?

- Qual medo! É só para saber!

- Aqui na nossa terra não há ladrões, homem!

Mas o Janeca queria certificar-se do sítio onde estava. E continuou:

- Então talvez seja a gruta da moira.

- Qual moira?

- Tu não sabes? A minha avó contou-me um conto muito bonito, de uma moira encantada, que vive aqui na serra; e é muito rica, tem um cordão de oiro, grosso como um braço, que atravessa a serra de lado a lado; o cordão de oiro principia numa gruta do lado de cá e acaba noutra gruta do lado de lá. A serra, por dentro, é o palácio da moira encantada. Mas ainda ninguém descobriu as grutas por onde se entra e por onde se sai. Ó Janeca, e se nós estamos na gruta da moira encantada?

- Ai, ai, para onde te havia de dar! Isso são contos, homem! São histórias para cachopitos pequenos! Tu ainda acreditas nelas?

- Bem... acreditar... não acredito... São histórias...

- Pois claro!

- Mas a gente pode fazer de conta...

- Isso é outra coisa. A gente pode fazer de conta. Mas eu antes quero saber o que é isto de verdade.

E, enchendo-se de coragem, avançou pelo «corredor». Janeca seguia-o. Os olhos dos pequenos já se tinham habituado à luz muito fraquinha, e agora distinguiam perfeitamente todo o corredor, que media uns dois ou três metros e voltava para a direita. Os dois companheiros caminharam cautelosamente. Nisto, ao chegar ao sítio em que o corredor virava, Janoca soltou um grito de admiração e alegria:

- Oh!...

Janeca ia um pouco atrás; aproximou-se, cheio de curiosidade.

- Que é?

E, logo a seguir, exclamou também:

- Oh!...

Estavam deslumbrados. Ali havia outra sala mais pequena que a primeira; no tecto, muito baixo, um pequeno orifício deixava entrar um jorro de luz. Não tinha outra saída. Mas toda ela brilhava como se fosse forrada de pedras preciosas. Era lindo, lindo!

- Será o tesoiro da moira? – perguntou o Janeca.

- E tu a dares-lhe! – respondeu o Janoca; e acrescentou, cheio de importância: - Deve ser mas é uma mina de prata e diamantes.

Os pequenos estenderam as mãos para poderem sentir toda aquela beleza e convencerem-se de que não estavam a sonhar. Então, foi ainda mais admirável: porque sem esforço desprenderam dois grandes pedaços daquela riqueza, que ficaram nos seus dedos a brilhar, a brilhar.

Muito impressionados, os dois amigos voltaram à sala de entrada, e saíram da gruta. Cá fora os seus tesoiros eram ainda mais maravilhosos, pareciam duas enormes pedras preciosas brilhando em todas as direcções; e os seus raios tão depressa eram prateados, como doirados, como verdes e azuis!

- Coisa mais linda! – dizia o Janeca.

- Olha, se calhar a gente descobriu uma mina de prata e diamantes!

- Se calhar! E agora?

- Agora temos de ter muito cuidado! Não dizemos nada aos outros ! Primeiro temos de desvendar este mistério. Vamos tapar a entrada para ninguém mais cá vir. Só nós dois é que sabemos!

Janoca e Janeca embrulharam os seus tesoiros nos lenços com mil cuidados. Depois, com os varapaus, puxaram as silvas e uns ramos que para ali estavam partidos, de modo a encobrirem a entrada da gruta.

Por fim, agarraram nos cestinhos das amoras e voltaram para junto da «Negrita» e da «Branquinha».

 

Aventuras do Janoca e do Janeca

 Referências:

BICHO, Joaquim Rodrigues, «Colectânea de textos de autores torrejanos (séculos XV-XX)» [introdução e notas de Margarida Moleiro]. Torres Novas: Município de Torres Novas, 2006, pp. 391-401

Fotografia: in https://retratoscontados.pt/avos-e-netos-na-vida-da-alice-vieira/

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