Musealização da Central Hidroelétrica do Caldeirão – Torres Novas // Recolha de memórias e testemunhos dos trabalhadores
Procurando obter os testemunhos dos trabalhadores, e assim conhecermos melhor as dinâmicas laborais da central, hoje foi a vez de o Sr. Artur António Lopes Ferreira, a quem agradecemos, a disponibilidade para colaborar neste processo.
"Sou natural de Nicho do Rodrigo, Torres Novas, onde fiz o meu percurso escolar e frequentei o curso da Escola Industrial e Comercial de Torres Novas.
Fui admitido na Central do Almonda, com 17 anos, no dia 9/9/1973, como aprendiz. Quando entrei, fui apresentado ao encarregado, Sr. Vasco, depois chamaram-me, pois já tinham arranjado trabalho para mim. E lá fui com outro colega trabalhar para a localidade de Pintainhos, fazer uma baixada, ou seja puxar energia da rede para uma habitação particular. Estava a decorrer a eletrificação das aldeias. Não tinhamos máquinas nenhumas, e pouco material, apenas escadas, cordas e um carrinho de duas rodas para carregar o poste até ao local. Era tudo manual, chegámos a colocar 28 postes com 9 homens. Não havia cabos, só tínhamos fios. Começavamos por andar quilómetros a distribuir os fios e esticá-los pelos postes e depois ficavamos meses numa aldeia até terminar. Podiam ser 6 meses a um ano. Mas era uma alegria quando chegávamos a uma aldeia… tínhamos sempre um pequeno almoço com queijinho fresco, e pão do padeiro. Havia um enorme contentamento, as pessoas queriam agradar e cativar. Quando se acendiam as luzes pela primeira vez, à noite para experimentar… faziam-se os testes… A aldeia parecia um presépio! Era lindo… Quando se iluminava aquilo tudo, era uma admiração… uma emoção! Foram situações únicas próprias da época. Também não havia comunicações nem telefones. Já agora, vou contar uma peripécia, que me ficou na memória. - Estávamos no Vale da Serra, Casal da Pinheira, e iamos fazer uma reparação. Tinha ficado o José Alves na Central, era para desligar o circuito das Lapas, mas ele enganou-se e desligou Riachos. Por sorte, estavámos numa cabine pública e como não faltou a luz, demos por isso, caso contrário, podia ter acontecido um acidente grave. Felizmente dessa vez, não aconteceu nada. Mas certa vez aconteceu algo comigo, eu era encarregado da distribuição e andava na Ribeira com 4 homens a reparar a cabine. O Joaquim Oliveira estava na central junto do operador, tínhamos combinado que a luz ia faltar às 7h00 e era ligada ao meio-dia (não havia telefones) e quando ele ligou a corrente eu estava ainda em cima do transformador… foi no dia da feira de Março, dia 24 de março de 1981, queimei a camisola mas consegui controlar ao isolar os fusíveis do transformador e a explosão apanhou-me só a mim. Nessa época, a central já não produzia ou produzia muito pouco apenas para iluminar a avenida e o hospital. Depois, já com a EDP, é que se deu a grande remodelação da rede, passagem de linhas de alta tensão ao subterrâneo, modernização de redes e circuitos e várias melhorias. Os cabos que eram de 10 mm passaram a 160 mm porque já não aguentavam: por exemplo, ao disparar um disjuntor em Valhelhas para nós o ligarmos tinhamos que o ligar inúmeras vezes até aumentar o relés para garantir mais potência. O ambiente entre nós era formidável. Houve uns anos em que o patrão pagou as festas do 1º Maio, mas depois fizemos sempre e éramos nós a organizar. Havia sempre atividades desportivas e convívios entre os colegas.”
Artur Ferreira, 65 anos.
Eletricista da Central