Musealização da Central Hidroelétrica do Caldeirão – Torres Novas // Recolha de memórias e testemunhos dos trabalhadores.
Procurando obter os testemunhos dos trabalhadores, e conhecer melhor as dinâmicas laborais da central, fomos ao encontro do Sr. Fernando Magalhães, a quem agradecemos a disponibilidade para colaborar neste processo.
«Sou natural de Lamarosa – Olaia, e entrei para a central do Almonda a 1/09/1974. Tinha vindo do ultramar, fui lá a uma entrevista de trabalho, quem ma fez foi o patrão, o Sr. José Maria Tavares, e entrei para a escala de serviço a dar folgas ao pessoal na sala das máquinas. Para além disso, tinha que dar também assistência à parte elétrica e ao controlo do caudal. O serviço era doloroso porque de Inverno, se houvesse algum problema no caudal do rio, com as chuvas, havia muita folhagem, detritos e principalmente o problema da poluição com as descargas. Trabalhávamos por turnos e à noite tinha de estar sempre um de nós ao serviço. Tínhamos lá uma grade que tinha de ser limpa praticamente todos os dias, e havia muito sobressalto: - Às vezes não sabíamos se havíamos de correr para baixo ou para cima, porque se houvesse uma falha da energia de Niza, a corrente falhava logo e desfazia-se o paralelo. Nas máquinas, éramos, eu, o “Lita”, o Miguel, o Coelho e o Brandão. O Brandão era uma figura! De vez em quando, se era para entrar à meia-noite, esquecia-se, baralhava-se nas horas... Certa vez eram nove da noite quando ele apareceu, e eu disse-lhe: -Oh Sr. João então?! Você hoje não dormiu?... – Eu?! Então não são um quarto para a meia noite? – Não! Homem ainda não são nove horas… -Olha pois não… - Bom, então sendo assim, ainda dá para ir beber um café! Disse que ia beber um café apareceu-me às 3 da manhã! Nunca mais me esqueço desses episódios…
Eu operava principalmente a turbina pequena, na grande não se mexia muito, porque precisava de muito mais água. Eu normalmente explorava o caudal principalmente de noite. Naquela época tínhamos um guarda rios dos Riachos, o Sr. Triguinho, que de manhã vinha logo repreender-me, e dizer que o rio ia seco… porque eu às vezes punha a turbina a trabalhar e a água em vez de correr no açude dava a volta pela vala e eu aproveitava para produzir. Com as duas turbinas a funcionar era muito complicado, tornou-se praticamente impossível. Quanto ao motor Ruston, só me lembro de ter ajudado a colocá-lo a trabalhar uma vez. Para ligar o motor eram precisos 3 operadores: Abria-se o ar da botija - diziam que tinha 300 kg de ar comprimido - e ao mesmo tempo colocava-se o pistão do lado oposto a trabalhar. Certa vez, rebentou um tubo, o estrondo foi tal, que fugiram todos para a rua. O motor Ruston era bastante lubrificado. Pegava com a ajuda de um pequeno motor elétrico trifásico (móvel), que se ligava à botija, e o Ruston no fim de pegar, consumia todo o tipo de óleo e gasóleo. As máquinas enquanto trabalharam ajudavam na produção de energia elétrica. Havia uma turbina que estava sempre ligada à avenida e à linha do hospital e aí garantíamos que nunca havia falha de energia. Nas outras linhas, já era tudo com a energia que vinha do Alto Alentejo, vinha a 30.000v depois a tensão era transformada na central, e entrava na rede a 15.000v. Os transformadores estavam sempre a trabalhar. Mas quando havia uma avaria era o Sr. José Alves o encarregado geral, responsável pela parte técnica que resolvia. Anteriormente era o Sr. Vasco, que eu ainda apanhei. Dentro do grupo dos operadores os que conheciam as máquinas acabavam por ser os mais entendidos, no meu serviço, eram o Sr. Coelho e o Sr. Brandão. (…)»
(Continua…)
Fernando Magalhães
Maquinista da Central
Torres Novas, 71 anos

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