Musealização da Central Hidroelétrica do Caldeirão – Torres Novas //

Recolha de memórias e testemunhos dos trabalhadores

Continuamos com a recolha de mais testemunhos orais de trabalhadores a fim de conhecermos melhor o funcionamento da central e suas dinâmicas laborais e sociais. Aqui fica o registo do testemunho do Sr. João Carlos Frade:

“Sou natural da freguesia de Assentis, concelho de Torres Novas. Entrei para a Central Elétrica do Almonda em junho de 1974, com 14 anos, até sair para a pré-reforma em 2014. Mantive-me sempre ligado ao sector da eletricidade e da energia elétrica. A empresa do Almonda tinha várias vertentes, desde a produção, até à parte de distribuição, venda de eletrodomésticos, reparações, e não só a instalação e eletrificação, mas também a venda ao público e assistência.

Por isso, tínhamos de ser polivalentes e perceber de tudo um pouco a nível de serviço. Eu desempenhei funções na parte administrativa, mas mantive sempre uma ligação muito forte à parte técnica. Quando eu fui para a empresa, no edifício ainda havia a parte dos escritórios e da gerência, onde estava também a contabilidade e a tesouraria, o gabinete do Sr Vasco, que era uma pessoa muito antiga naquela casa, e que embora tivesse tido um problema motor, continuava a controlar toda a parte técnica e a quem eu por vezes também dava algum apoio. Depois, mais abaixo, havia a carpintaria, o armazém onde estava todo o equipamento de materiais de apoio à rede, e depois no piso inferior, a maquinaria e a serralharia onde se fazia manualmente todo o material para se colocar nos postes e cabines. Ainda passei por todos os sectores da Empresa de Eletricidade do Almonda a trabalhar. Depois deu-se toda uma transição técnica e uma transformação na empresa, em 1984, com a integração na empresa da EDP, em que ficamos como um departamento periférico ligado a Lisboa. O chefe máximo dos serviços era o Sr. Manuel Piranga. Eu, como estava mais familiarizado com a parte técnica, que necessitava de um apoio administrativo para agarrar todos os processos, fiquei ligado a esse sector e não passei para a parte comercial. Tivemos que acompanhar o processo de desenvolvimento e foi-nos dada muita formação. Nos anos 1980 marcou-me muito uma fase negra de poluição do rio Almonda. Tenho de relatar essa situação, pois muitos dos detritos do rio vinham já de um aumento da poluição, o que era muito complicado a nível da limpeza por causa das turbinas, mas tínhamos um bom relacionamento entre todos; por exemplo, eu fui colega do meu pai. Passei pela eletrificação de Rexaldia, um processo muito difícil com colocação de postes em solo de pedra que eu ainda acompanhei. Era preciso recorrer por vezes à pólvora para partir pedra e tinha de se usar troncos de madeira. Mais tarde veio uma retroescavadora que ajudou muito no trabalho de instalação. Apesar do trabalho difícil, havia uma camaradagem. Um bom convívio entre todos.

Para nós o 1º de Maio era sagrado! Uma enorme envolvência, mantivemos sempre esse convívio, algo que nos fazia unir a todos e chegamos a ter as famílias connosco. Mesmo os colegas antigos que iam saindo para a reforma quando era o 1º de Maio voltavam à casa. Eu fui sempre uma pessoa muito ativa nas comissões de trabalhadores, fui delegado sindical e fiz parte das equipas desportivas e sempre transmiti todo apoio em termos de informação sindical aos colegas, também a nível de processos de doença, reformas etc. Como fui membro da comissão de trabalhadores com a gerência da EDP a nível nacional, mantive sempre esse relacionamento e a dar esse apoio. Para mim isso é uma felicidade. Todos eles podem testemunhar esse meu percurso e sabem que podem sempre contar comigo numa infelicidade, numa situação mais complicada. Passei uma grande parte da minha vida na central e fico muito contente de se recuperar o museu com uma imagem visual que está no coração da cidade e estou a gostar de ver aquele local conservado e estou na expectativa pela abertura do museu.”

João Frade

Funcionário da Central

Torres Novas, 62 anos