Musealização da Central Hidroelétrica do Caldeirão – Torres Novas //

Recolha de memórias e testemunhos dos trabalhadores
Continuamos a apresentar os testemunhos dos trabalhadores e operários da Central Hidroelétrica do Caldeirão. Neste processo de recolha, contámos com o testemunho do Sr. Vítor Pereira Nobre
«Sou natural do lugar de Casais das Hortas (Carreiro da Areia, concelho de Torres Novas), onde nasci em 1960. Poucos anos depois, com 5 anos, vim residir para a cidade com os meus pais, onde fiz o ensino primário e preparatório. Depois, ainda muito jovem, com apenas 14 anos, fui admitido na Central, e entrei para o Caldeirão a 1/7/74, como aprendiz auxiliar onde desenvolvi toda a minha atividade profissional, até chegar a eletricista oficial. Recordar a Central do Caldeirão, para mim, é recordar uma vivência de vida, uma aprendizagem, mas não é uma saudade.

Não é uma saudade porquê? Nós fazíamos tudo… por exemplo, entrávamos numa aldeia para realizar a eletrificação e era uma festa! Era uma festa! Naquelas terras as pessoas ambicionavam e desejavam a nossa chegada. Sentíamos que levávamos o progresso e a melhoria de vida às populações! Só que, desde a abertura das covas, ao arvorar dos postes e passagem de cabos era tudo feito à custa de força física e não tínhamos qualquer apoio mecânico. Era uma vida muito difícil e que não deixou saudades…. Das minhas primeiras memórias na central lembro-me do primeiro dia de trabalho que foi dar assistência ao Hospital de Torres Novas. Mais tarde, fui também dar assistência à Renova. Devíamos ser, nesta época, uns 30 homens, entre eletricistas e aprendizes divididos por 4 equipas – zona da cidade, e que incluía Parceiros de Igreja e Parceiros de S. João; zona de Vale da Serra e Pedrógão; zona de Riachos e outra equipa móvel de instalação e construção. Em termos do funcionamento da empresa, quando entrei, tínhamos várias áreas: a produção, o transporte e a distribuição da energia, a instalação e a construção, e ainda a vertente comercial de loja com a venda de eletrodomésticos, na qual também dávamos assistência e manutenção. Recebíamos uma linha de energia da Hidroelétrica de Alto Alentejo e era também sobre essa linha que fazíamos a transformação e a distribuição. Neste caso, era uma linha de 30 kW, que distribuíamos a 15 kW e que chegava às residências particulares a 220v. A nível da parte da produção, lembro-me que tínhamos 2 turbinas (a pequena produzia na ordem dos 50kva e a maior 100kva) mas claro a produção era muito insuficiente, não dava para alimentar a cidade, mas sempre produzia alguma coisa. Esses mecanismos eram alimentados pelo caudal do rio Almonda a partir de um canal submerso, cuja entrada de água é no Açude Real até chegar à central. Naquela época (anos 1970) o rio Almonda tinha muita força de água. Hoje o caudal não tem a quantidade de água necessária para colocar o grupo hídrico a trabalhar e a abertura de uma comporta esgotaria rapidamente o rio a tentar alimentar as turbinas. Apesar de não ter sido operador na sala das máquinas, dei muito apoio na ajuda à limpeza das grades e dos mecanismos para fazer a remoção de pedaços de madeira e outros detritos que não podiam entrar nas pás das turbinas. Passei muitas horas a dar assistência à limpeza e manutenção. Por exemplo, com as cheias, e recordo-me que houve uma grande cheia, em 1979, na qual as máquinas ficaram submersas. Deixou-se a marca de cerca de 1,50m no pilar. Em termos do nosso dia-a-dia, tínhamos de estar na parte de trás da central, para começar a trabalhar às 8h00. Quem chegasse às 8h05m podia já não ir, pois certos encarregados levavam o horário com muita rigidez para impor responsabilidade. Mas havia uma boa camaradagem entre todos. Recordo-me de ouvir que mesmo antes de 1974 já havia festas do 1º maio com almoço oferecido pelo patrão. Depois do 25 de abril a comissão de trabalhadores decidiu serem os trabalhadores a organizar. Todos eramos sindicalizados e com carteira profissional e eu sempre entendi essas organizações como de ajuda aos trabalhadores. Ainda mais naquela época, sem qualquer apoio técnico e sem comunicações. Se por hipótese, tivéssemos uma avaria na linha de Valhelhas, dizíamos por exemplo ao Sr. Miguel Gaspar: “- Oh Miguel você às 10h00 ligue a linha!” E depois andávamos a trabalhar sobre a linha até encontrar a avaria. Fazer este museu é muito importante. É um marco histórico para o desenvolvimento de Torres Novas. É maravilhoso olhar para todo o edifício, o enquadramento da Tarambola e todo o projeto de recuperação (…).»
Vítor Pereira Nobre. Eletricista da Central.
Torres Novas, 61 anos

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